Nós, os Artífices da Ladeira da Conceição da Praia, fomos surpreendidos na tarde de ontem, dia 04 de fevereiro de 2019, com as notícias que anunciavam a “revitalização dos arcos da ladeira da Conceição”. Em discurso na câmara dos vereadores, o Prefeito ACM Neto prometeu executar com recursos próprios o projeto de reforma elaborados pelo IPHAN. Mais uma vez, as informações sobre o destino dos nossos espaços de trabalho e das nossas vidas chegam-nos através da imprensa, sem diálogo ou consulta. Não sabemos qual revitalização será empregada aos arcos pela Prefeitura, quando somos nós que há décadas conservamos e damos vida a essas construções.
A ladeira da Conceição possui uma longa história de ocupação por trabalhadores negros de ofícios tradicionais, que transmitem seus conhecimentos no ensino prático de mestres e aprendizes. Os Artífices do Centro Antigo de Salvador são herdeiros das formas de fazer e das práticas dos trabalhadores de ancestralidade africana na Bahia, mas seguem lutando pelo direito à permanência nos seus territórios de identidade e pelo reconhecimento do seu trabalho.
Nesse sentido, nós, que trabalhamos nos arcos da Conceição, há algum tempo resistimos às tentativas de expulsão que chegam a nós como processos de revitalização. Em 14 de julho de 2014, a SUCOM (Superintendência de Controle e Ordenamento do Solo do Município) notificou a todos para que desocupassem a área em 72 horas. Os gestores do município, quando questionados à época, não souberam informar de onde teria saído a ordem de desocupação. O IPHAN apontou a responsabilidade da prefeitura pela ação abusiva e ilegal, mesmo sendo a reforma uma proposição sua.
Nesse contexto, foram realizadas muitas reuniões com o sr. Guilherme Bellintani, secretário da SEDES (secretaria extinta), no que vale destacar a sua promessa de assegurar a permanência dos trabalhadores em seus territórios. Após reiteradas tentativas frustradas de diálogo com o IPHAN, fizemos acordos com a importante mediação da Defensoria Pública do Estado quanto a ajustes no projeto e na reforma sem prejuízo a continuidade do trabalho. A readequação orçamentária foi enviada para Brasília, mas em razão do contexto político não houve retorno e desde então o projeto ficou engavetado.
Vale ressaltar que mesmo com todas as negociações e acordos, em 2015, sob a justificativa das chuvas e de ameaça de desabamento, pessoas foram expulsas e imóveis foram demolidos na ladeira da Conceição. Por toda essa difícil trajetória enfrentada por nós artífices, a declaração do Prefeito de retomada do projeto de reforma, sem qualquer comunicado ou negociação prévia com as pessoas que serão diretamente afetadas, reacende a preocupação com novos abusos.
Não queremos mais ser os últimos a saber, afinal, diz respeito às nossas vidas e às tradições dos nossos ofícios no centro de Salvador. Em respeito a gerações de artífices que fazem seu trabalho nesses arcos, exigimos que seja assegurada a nossa participação no planejamento e na execução do projeto de reforma com a retomada dos acordos selados.
05 de fevereiro de 2019
Artífices da Ladeira da Conceição da Praia