Comunidades e organizações lançam Carta Manifesto sobre o plantio de eucalipto no Recôncavo baiano

Reunidas nos dias 23 e 24 de setembro no Seminário Eucalipto: Impactos e Desafios para o Território do Recôncavo Baiano na cidade de Cachoeira, comunidades tradicionais do Recôncavo e organizações sociais divulgaram documento de denúncia e de reivindicações sobre o avanço do monocultivo de eucalipto na região.

Divulgação.

As comunidades apontam que o plantio de eucaliptos afeta suas principais atividades econômicas, como a pesca e a agricultura familiar, além de causar sérios impactos ambientais. A carta denuncia ainda um processo de violência existente da empresa com as comunidades e a total ausência do Estado baiano na mediação dos conflitos.

A carta é assinada por comunidades de Cachoeira, Santo Amaro, Maragogipe, Cruz das Almas e São Francisco do Conde e pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), Movimento de Pescadores e Pescadoras (MPP), Articulação Nacional Quilombola (ANQ), Pesquisadoras e Estudantes de Universidades do Recôncavo Baiano, Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá).

Leia na íntegra:

CARTA MANIFESTO

Seminário: Eucalipto: Impactos e Desafios para o Território do Recôncavo Baiano

Dias 23 e 24 de setembro de 2024 – Município de Cachoeira – Bahia

Nós, quilombolas, pescadoras e pescadores, Povos de Terreiro de Cachoeira, Santo Amaro, Maragogipe, Cruz das Almas e São Francisco do Conde – BA, organizações da sociedade civil, Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras, Movimento de Pescadores e Pescadoras, Articulação Nacional Quilombola, Pesquisadoras e Estudantes de Universidades do Recôncavo Baiano, Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), movimentos ambientalistas e atingidas e atingidos pela monocultura do eucalipto no território do Recôncavo baiano, reunidos nos dias 23 e 24 de Setembro de 2024 no município de Cachoeira – BA, viemos nos manifestar em defesa dos povos da terra, do mangue, do rio e do mar, localizados nos municípios de Santo Amaro, Maragogipe, Cruz das Almas, São Francisco do Conde e Cachoeira, em seu enfrentamento pela manutenção do modo de vida das populações tradicionais, em defesa da Mata Atlântica, do ecossistema manguezal e marinho e contra a degradação social e ambiental provocadas pelo avanço das monoculturas de eucalipto no território desde os anos de 2012, mas que avançou de forma desordenada na pandemia e pós-pandemia, quando passou todo tipo de “boiada”.

Uma região emblemática da ocupação colonizadora no país, marcada “a ferro e fogo” pela destruição da Mata Atlântica, expulsão indígena e exploração de mão de obra escravizada nos plantios de cana-de-açúcar e, posteriormente, fumageiras, com avanço mais recente na última metade do século XX da mineração e dos monocultivos de eucalipto e bambu. Essa região também revela as variadas formas de resistência e luta por liberdade da população negra, camponesa e indígena, e a ressignificação dos usos dos territórios, testemunhadas pela força significativa das inúmeras comunidades quilombolas, dos terreiros de candomblé, movimentos sociais e pela imensa presença da população negra, que faz do extrativismo artesanal da pesca e da mariscagem seu principal meio de reprodução física e cultural.

O resquício colonial, racista e latifundiário ainda permanece presente na região do Recôncavo baiano de várias formas, tendo os monocultivos de eucalipto como uma dessas manifestações racistas e coloniais atuais, expressando o modo de produção e reprodução capitalista no campo brasileiro, amparados por um modelo de desenvolvimento que promove imensas áreas de “desertos verdes e alimentares”, impactando centenas de comunidades quilombolas e pesqueiras em seu modo de vida tradicional, social, cultural, religioso e econômico.

O histórico de ocupação destes territórios está relacionado ao modo de vida das comunidades quilombolas e pesqueiras, que vêm resistindo, nos últimos 20 anos, ao avanço dos projetos do agronegócio e aos “algozes” históricos das comunidades, que, neste caso, avançam com velhos e novos projetos que não resolvem o problema das comunidades, pelo contrário, aprofundam os conflitos ambientais, aumentando a tensão social e a pobreza. Se antes era bambu, agora é eucalipto.

Desde o ano de 2015, já denunciávamos as violações de direitos decorrentes dos projetos de monocultivos no território do Recôncavo. O estado da Bahia ocupa o 4º lugar de maior produtor de eucalipto do país. Segundo dados oficiais, já são cerca de 700.000 hectares plantados no território baiano. Conforme dados fornecidos pelas empresas, no território do Recôncavo baiano já são cerca de 4.000 hectares plantados de eucalipto nos municípios de Santo Amaro, Cachoeira, Maragogipe, Cruz das Almas e São Francisco do Conde. Esses números são contestáveis, uma vez que há inúmeras denúncias de grilagem e proprietários ditos “laranjas”, subsidiárias das empresas plantadoras de eucalipto, e que consequentemente não aparecem nos dados oficiais.

De lá para cá, os conflitos têm ganhado contornos de violência por parte das empresas e fazendeiros, ameaçando lideranças comunitárias e religiosas, aumentando a insegurança e inibindo, assim, as denúncias aos órgãos competentes por parte dos moradores. Com relação à questão ambiental, tem-se observado o aumento de animais peçonhentos, mortalidade de peixes e crustáceos devido à presença de agrotóxicos nas águas, assoreamento dos rios e manguezais, secamento de nascentes, bem como impactos na saúde das populações, como o aumento de casos de alergia e doenças respiratórias, além de altos índices de insegurança alimentar nas famílias.

Além desses impactos, cabe destacar que os plantios de eucalipto avançam sobre os limites da RESEX Iguape: são anos de plantios ilegais à beira desse estuário. Embora criminosas, são as empresas plantadoras e fazendeiros da região quem hoje criminalizam os quilombolas, pescadores, pescadoras, marisqueiras e ribeirinhos, quando buscam defender seus territórios de vida e direitos, em uma clara tentativa de silenciar a resistência local.

Os fazendeiros têm usado o plantio de eucalipto como forma de impedir o avanço das comunidades quilombolas na retomada de seus territórios e no processo de regularização do território quilombola, como forma de ofuscar a posse histórica das comunidades e burlar a realidade das áreas totalmente improdutivas, das quais a posse pertence às comunidades quilombolas e pesqueiras. Esses mesmos que se dizem “donos dos territórios” têm utilizado mecanismos violentos de coação e intimidação junto às famílias que resistem, como derrubada de casas e roças.

Na esteira desses conflitos, o Grupo Penha e Bracell, empresas do setor de papéis e celulose, se destacam como grupos privados instalados na região, que ao longo da expansão desses monocultivos, têm se mostrado as principais violadoras dos direitos coletivos de dezenas de comunidades tradicionais do território. O Grupo Penha, por exemplo, desde 2012, tem sido autuado e multado recorrentemente por promover impactos ambientais e até envolvimento em conflitos de terras em locais sagrados do território.

Associado a essa apropriação privada da natureza por empresas do ramo de papel e celulose na região, cabe destacar a lentidão, inoperância e até conivência dos órgãos públicos ambientais do estado da Bahia, como o INEMA (Instituto Estadual de Meio Ambiente), que tem licenciado plantios sem a devida consulta e participação das comunidades, desrespeitando as prerrogativas da Convenção 169, da qual o Brasil é signatário, além de não cumprir efetivamente com suas atribuições de fiscalização ambiental. A paralisação do Incra quanto aos processos de regularização dos territórios quilombolas é outro fator que tem estimulado os conflitos e a situação de insegurança das comunidades.

Dessa forma, exigimos uma imediata manifestação e transparência do INEMA acerca dos licenciamentos de monocultivos expedidos e autorizados nesse território, de forma que se apurem as irregularidades já denunciadas pelos povos e comunidades que habitam o Recôncavo. Da mesma forma, solicitamos explicações do INCRA sobre a morosidade dos processos de titulação e regularização dos territórios quilombolas na região.

Que as comunidades tradicionais, pesqueiras, quilombolas e povos de terreiro dos municípios de Cachoeira, Santo Amaro, Maragogipe e São Francisco do Conde sejam respeitadas e ouvidas sobre os graves problemas ambientais que historicamente têm violado o modo de vida secular dessas populações, decorrentes de um modo de produção excludente, predatório, monocultural, racista e violento.

Não nos intimidarão! Poluidores e capitalistas do agronegócio do eucalipto e bambu não passarão!
NÃO COMEMOS PAPEL NEM CARVÃO!