Mutirão de Arte e Cultura em Cajazeiras reuniu mais de 60 jovens para debater cenário de violência e alternativas de enfrentamento para a juventude negra .

No dia 30 de março de 2025, o bairro Cajazeiras foi palco de um mutirão de Arte e Cultura, atividade que reuniu jovens de territórios de Salvador e do Recôncavo. O mutirão ocorreu menos de um mês depois da chacina policial que vitimou 12 pessoas em Salvador e discutiu o cenário de desafios colocados para as juventudes dos territórios periféricos, especialmente sobre as violências e as resistências.
Mais que um encontro artístico, o espaço foi marcado pela formação política e pelo anseio coletivo por justiça nos territórios. O momento de análise de conjuntura, conduzido pelo artista e educador Omin, trouxe reflexões sobre o genocídio do povo negro, as mortes violentas da juventude negra na Bahia — estado com maior população negra do país e o que mais mata pessoas pretas e pardas.
Omin apontou que foram registradas 100 chacinas em quase três anos em Salvador e Região Metropolitana e todas essas ações ocorreram em territórios negros, segundo dados da plataforma Fogo Cruzado. Para o artista, diante desse cenário, a arte surge como ferramenta de resistência e organização: “nossa arte nos forma e nos protege, sendo fundamental para nos juntarmos e nos organizarmos enquanto povo.”
Através de músicas, poesias e análise da realidade, os participantes debateram o racismo estrutural e também apontaram as expressões culturais das juventudes como caminhos de resistência para a juventude periférica.
As apresentações artísticas dos jovens do Quilombo do Boqueirão em São Francisco de Paraguaçu, e do Coletivo Em Cantos de São Lázaro em Salvador demonstraram como a dança, o maculelê, a capoeira e o samba de roda são importantes instrumentos de luta em defesa dos territórios.





Fotos: Rafael Batista
Arte como expressão da luta
O Mutirão de Arte e Cultura buscou trabalhar com a juventude o sentido político da arte e a prática artística como um caminho para anunciar uma nova proposta de sociedade. As oficinas de Escrevivências, Teatro do Oprimido e Audiovisual apontaram para a necessidade de concretizar essa consciência libertadora, antirracista e antipatriarcal através da escrita, dos corpos e das novas ferramentas tecnológicas.
A oficina de Escrevivências, ministrada por Kota Gandaleci, advogada, escritora, ativista pela igualdade racial e de gênero, produziu textos e um mural que mistura memórias afetivas, resistência coletiva e denúncias das violências cotidianas. Para Kota, a oficina de Escrevivências foi uma experiência necessária para integrar os processos de resistência das juventudes em diferentes territórios: “é importante que tenhamos outros mutirões como este, que tenham o intuito de fazer o enfrentamento às violências com arte, com educação e com cultura.”
Já a oficina de Teatro do Oprimido, com o Coletivo Incomode, expressou o extermínio da juventude negra e provocou debates profundos sobre o papel da mídia na naturalização das violências na sociedade.
Para Kassyane Paixão, membro do Coletivo, “o Mutirão foi fundamental para sabermos mais sobre a nossa cultura, trocar experiências entre nós. Denunciamos, nos articulamos e mostramos que nossos territórios não retratam apenas as violências, retratam sobretudo as nossas vidas. E em encontros como este a gente pode vivenciar arte, afeto, cultura e potencializar outros assuntos, se formando politicamente”, arremata.



Fotos: Luciana Silveira/CEAS
Por fim, a oficina de Audiovisual, com Giovane Sobrevivente, exercitou a gravação, a edição e a exibição de vídeos contendo as narrativas dos jovens participantes sobre a interpretação do mundo, as vivências e as lutas cotidianas. Para o cineasta e poeta, o encontro foi de grande importância, “pois trouxe a arte não só como instrumento de entretenimento, mas sim como uma ferramenta política de autodefesa dos territórios violentados pela falta de saúde, educação, moradia, saneamento básico, ou seja, ausência total das políticas públicas.”
O momento teórico e prático das oficinas se juntaram a outras diversas formas de expressão que ocorrem nas periferias baianas, como as produzidas pelo Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (GRUMAP), presente no mutirão, onde compartilharam a experiência da produção cinematográfica na denúncia do racismo estrutural que atinge principalmente as mulheres negras.
Campanha Contra as Violências nos Territórios Negros e Populares
O Mutirão de Arte e Cultura integra a Campanha Contra as Violências nos Territórios Negros e Populares, que desde 2023 denuncia o genocídio da população negra e as ações racistas e violentas das forças de repressão do Estado da Bahia.
A Campanha surgiu em um momento de escalada de violência armada nos territórios negros de Salvador e também do interior baiano, evidenciada por ações violentas das forças policiais. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, o estado registrou 1.699 mortes provocadas por policiais, liderando o ranking no país.
A relativização do Estado e o discurso de “guerra às drogas” vem justificando as operações violentas que seguem acontecendo e vitimando, majoritariamente, as populações negras.
Essa realidade é agravada pela histórica desigualdade e pela ineficácia do Estado em garantir políticas públicas estruturantes para a população. De acordo com o IBGE o estado possui a maior taxa de desemprego do país e mais de 3 milhões de trabalhadores informais até o final de 2024.
A campanha ainda aponta que a priorização de políticas repressivas em detrimento de investimentos sociais básicos – como o acesso à educação pública de qualidade, regularização fundiária de territórios tradicionais, saúde e políticas culturais – impossibilita a inserção desses territórios e povos aos espaços de cidadania.






Fotos: Rafael Batista
Juventude organizada na luta contra o racismo
O Mutirão de Arte e Cultura em Cajazeiras evidenciou como a arte, a cultura e a formação política são pilares da resistência ao cenário de violência que assola os territórios negros e populares da Bahia.
Ao reunir jovens de Salvador e do Recôncavo, a atividade não apenas debateu os desafios impostos pelo racismo estrutural e pela repressão estatal, mas também destacou a força das expressões culturais como instrumentos de denúncia e transformação social.
Realizado na Casa Sol, em Cajazeiras, e construído pela Juventude Ativista de Cajazeiras (JACA), Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), Associação de Advogados/as de Trabalhadores Rurais (AATR), com apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), o Mutirão surge como uma experiência de enfrentamento, reorganização e unidade da juventude que usa a arte como uma ferramenta de sobrevivência e transformação.
Por Luciana Silveira e Mateus Britto