Privatização e racismo ambiental: Governo isola comunidade em Pituaçu com muro, mas favorece especulação imobiliária ao redor do Parque

Por: Apoena Ferreira (CEAS)

Comunidade tradicional Alto do São João denuncia uma série de violências e violações de direitos em decorrência das ações do poder público em seu território. Em paralelo, condomínios de luxo avançam sobre a área de preservação ambiental, com apoio dos órgãos de fiscalização.

Desde junho de 2025, as obras da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur), no entorno do Parque de Pituaçu, já resultaram  na demolição de um terreiro de Candomblé,  na invasão de casas de moradores e na derrubada de diversas árvores centenárias no território Alto do São João,  em função da construção de um muro que marginaliza e isola a comunidade. Um caso evidente de racismo ambiental. 

Além de restringir sua circulação, o muro limita o acesso da comunidade à área verde do parque, desrespeitando o seu histórico de preservação da biodiversidade e dos usos relacionados ao lazer, à cultura e à religiosidade. 

A Escologia, organização comunitária que atua no território através da arte, cultura e educação ambiental há mais de 40 anos, denuncia as violências decorrentes da obra. O educador e gestor Márcio Bob, afirma que a comunidade não é contra a delimitação do Parque, por entender a importância da preservação, porém se opõe a forma como está sendo feita, sem o diálogo e com a construção de uma barreira, “o muro do apartheid”. A Escologia e outras organizações do território se articulam para barrar as tentativas de expulsão da comunidade e dar visibilidade ao caso.

Quem, de fato, pode ocupar o Parque de Pituaçu?

O Parque de Pituaçu é um dos maiores remanescentes da Mata Atlântica em Salvador. Quando foi criado, através do Decreto Estadual nº 23.666 em 1973, tinha uma área total de 660 hectares, bem diferente dos 392,10 hectares que possui atualmente. Uma redução de quase 50%. A supressão da área do Parque está relacionada à pressão do mercado imobiliário e às tentativas de privatização.

O Parque já teve a sua delimitação alterada três vezes – em 2006, em 2013 e em 2018. Essa última, claramente para atender aos interesses do mercado imobiliário através do Decreto nº 18.679, que suprimiu do parque uma área de aproximadamente 250 mil m² de mata nativa, reivindicada pela empresa  Al Teix, vinculada à incorporadora Delta do setor imobiliário, de acordo com reportagem do Grupo de Ambientalista da Bahia (GAMBA, 2019).

Desmatamento nos limites do Parque de Pituaçu (Dez/2024 – Fev/2025)

Fonte: Google Earth/ Elaboração: CEAS

Através de imagens de satélites do Google Earth identificamos o desmatamento recente da área no terreno da Al Teix, em quase 60% da vegetação original. Na comparação entre as duas imagens – a primeira de dezembro de 2024 e a segunda de fevereiro de 2025 –  é alarmante o contraste gerado pela empresa em tão pouco tempo – apenas três meses! 

Avanço do capital imobiliário ao redor do Parque de Pituaçu (2005-2025)

Fonte: Google Earth/ Elaboração: CEAS

Na segunda imagem, verificamos também que ao longo dos últimos 20 anos (entre 2005-2025) uma área de aproximadamente 400 mil m² (equivalente a 40 campos de futebol), limítrofe à orla Atlântica, foi massivamente ocupada por condomínios de luxo. Evidenciando, que quem desmata e destrói o Parque de Pituaçu são condomínios de luxo da população abastada, não a comunidade tradicional. 

No entanto, não há ações energéticas de fiscalização ou indícios de construção de muros ou barreiras pelo poder público no entorno desses edifícios. Em alguns trechos existem alambrados e grades, que não impedem o contato visual e sensorial com as matas, diferente da construção do muro de concreto em construção na comunidade Alto do São João. 

Além disso, as imagens de satélite também comprovam que nesse mesmo intervalo de 20 anos, o território ocupado pela comunidade Alto do São João pouco se alterou em relação aos limites do Parque. Comprovando a compatibilidade entre o uso sustentável do parque pela comunidade, indicado para o Parque de Pituaçu, no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 2006, quando reconhece o Parque  como SAVAM – Sistemas de Áreas de Valor Ambiental. 

PL da Devastação e Privatização dos Parques Públicos

Outro aspecto que ameaça a comunidade e a biodiversidade local é a privatização do Parque. Em 2020, o Parque de Pituaçu foi incluído na lista dos 26 parques públicos cujos estados aderiram ao programa de privatização nacional, lançado pelo governo Bolsonaro através do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Ao todo foram 5 parques na Bahia, além de Pituaçu, entraram também, o Parque São Bartolomeu e o Zoobotânico em Salvador, o Parque Estadual da Serra do Conduru no Sul da Bahia e o Parque de Sete Passagens na Chapada Diamantina. 

De acordo com o programa de privatização, os parques baianos serão administrados pelo Consórcio Pitiguari Parques Brasileiros, formado pelas empresas Spin Soluções Públicas Inteligentes (ramo de tecnologias e gestão de processos urbanos), Vallya (ramo de investimentos), Queiroz Maluf (ramo de advocacia) e Plantar Ideias (arquitetura e design), com apoio do Instituto Semeia, junto à Secretaria do Meio Ambiente (SEMA/BA). Empresas voltadas à gestão e administração de ativos financeiros urbanos, sem qualquer relação com as comunidades do entorno dos parques e focadas no lucro.

A situação se agrava com a recente aprovação na Câmara dos Deputados do “PL da Devastação” (projeto de Lei n°2159 de 17 de julho de 2025), que dentre outras coisas, dispensa o licenciamento ambiental para agronegócio e megaprojetos e enfraquece ainda mais a atuação do IBAMA. O projeto agora segue para sanção do presidente Lula.

Sob o argumento do “desenvolvimento urbano”, a gestão das áreas verdes, como o Parque de Pituaçu, se tornaram mecanismos de acumulação do capital que aprofunda o racismo e acelera a degradação ambiental. Frente a essa ofensiva às comunidades tradicionais, ambientalistas, vizinhos do Parque, povos de terreiros e setores de assessorias e universidades se movimentam para barrar a construção “do muro do apartheid”, com ações de defesa do território e incidência política.

Assembléia dos moradores: 05/07/2025