Documento registra a trajetória de resistência, conquistas e a construção coletiva no território ocupado no subúrbio ferroviário da capital baiana
Um dia de celebração, memória e resistência. Foi assim o último domingo (14) na Ocupação Quilombo Paraíso, localizada no subúrbio ferroviário de Salvador. O lançamento do Dossiê Quilombo Paraíso – A luta pela moradia e a defesa do bem viver reuniu moradores e parceiros em um encontro marcado pela força coletiva e pela reafirmação da luta por moradia e pelo direito à cidade.
O documento sistematiza os 17 anos de assessoria do Centro de Estudos e Ação Social à luta e resistência do Quilombo Paraíso, trazendo à tona experiências, aprendizados e conquistas que marcaram o território ao longo dessas quase duas décadas. Mais do que um registro escrito, o dossiê se afirma como ferramenta política e memória de um território que vem se firmando como Comunidade do Bem Viver.
Mulheres, juventudes, pessoas de diversas gerações, partilharam suas memórias sobre a ocupação Quilombo Paraíso, reafirmando o quanto a força coletiva é fundamental para a garantia do direito à terra e ao território. As juventudes, formadas ao longo desses anos de parcerias, trazem a continuidade: seguem os passos das mais velhas, assumindo responsabilidades, fortalecendo a organização coletiva e renovando lideranças.
A programação também destacou a arte e a cultura como dimensões centrais da luta. Uma oficina de grafite conduzida pelos artistas Filó e Trigo mobilizou crianças, adolescentes e adultos na criação coletiva, simbolizando a força intergeracional presente no território. O grafite construído coletivamente proporcionou aos presentes a possibilidade de educar, de rememorar a história de luta e construção coletiva a partir da arte de rua.
“Senti uma energia incrível. É importante para mim ver todas aquelas crianças participando, querendo pintar. Me veio a lembrança de quando era do tamanho delas, com a mesma agitação querendo participar e aprender tudo. Hoje poder ver meu filho participando de momentos assim, traz Esperança”.
Esta é a fala de Graciele, jovem formada, desde os 7 anos de idade, pelo Movimento dos Sem Teto da Bahia – MSTB, o qual Quilombo Paraíso faz parte.
Entre as falas na roda de conversa do lançamento, Rita Ferreira, liderança e referência na luta do Quilombo Paraíso, emocionou ao rememorar os primeiros dias da ocupação. “Só quem viveu sabe exatamente o que foi a luta para garantir nossa permanência no território. Foram noites de vigília, dias de incerteza, despejos violentos e muitos dias construindo e reconstruindo os barracos”, destacou.
Outras mulheres também trouxeram suas memórias: Ana Maria conta como era a sua vida antes da ocupação, sem casa, vivendo em condições de extrema vulnerabilidade, com filhos pequenos para criar e sem perspectivas de um futuro, para ela “a ocupação traz esperança”. Dona Neide, por sua vez, fala com muita emoção e dor a memória de quando esteve em situação de rua, mas teve a oportunidade de construir seu barraco ao ser convidada por Rita Ferreira para vivenciar e fortalecer a ocupação.
O coletivo INCOMODE trouxe para o encontro intervenções poéticas que provocaram a todos para o racismo estrutural e sistêmico da sociedade brasileira, com foco para o extermínio das juventudes negras. Estes jovens do coletivo são resultado de formações políticas desenvolvidas ao longo dos mais de 17 anos da luta do MSTB em Quilombo Paraíso, hoje continuadas no Residencial Paraguari II. Suas falas reafirmaram a importância do Quilombo na construção da relação de pertencimento, transmitindo essa memória de luta para as novas gerações do movimento.
Na roda de conversa do Lançamento, Débora Porciuncula, integrante dos Guardiões da APA da Bacia do Cobre e Parque São Bartolomeu, ressaltou que a parceria com Quilombo Paraíso e com o CEAS tem sido fundamental para aprofundar estudos e debates sobre os grandes conflitos que vêm atingindo o Subúrbio Ferroviário de Salvador. Ela destacou a Duplicação da Estrada do Derba, a construção do VLT do Subúrbio, após a retirada violenta dos serviços e trilhos do trem, além da construção do sistema viário Ponte Salvador-Itaparica e das diversas formas de ataque imobiliário ao Parque São Bartolomeu. “O próprio Estado vem vulnerabilizando e impactando negativamente o Parque. Denunciar esses ataques e fortalecer a defesa dos territórios é parte da nossa luta coletiva”, afirmou.
Outro destaque Fundamental do encontro foi a alimentação preparada pelas mulheres do território, que revela a potência e a autonomia organizativa de Quilombo Paraíso. O cuidado com cada detalhe reafirmou a capacidade da comunidade de construir caminhos coletivos de resistência e de cuidado, em diálogo permanente com os debates políticos e as lutas que sustentam a vida e o pertencimento no território. Como diz Rita Ferreira, “nosso sonho tem se tornado realidade: vivenciar esta Comunidade do Bem Viver”.
Por Luciana Silveira/CEAS.