Para movimentos sociais e ambientalistas, o PL 175/2024 ameaça o meio ambiente e privilegia especulação imobiliária

Movimentos populares e comunidades de Salvador realizaram na tarde dessa quarta-feira (1º) uma manifestação em frente à Câmara Municipal em protesto contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 175/2024, que atualiza a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) da capital baiana. De acordo com a Articulação do Centro Antigo, rede que reúne organizações e territórios negros do Centro Antigo da cidade e que organizou o protesto, o PL ameaça o meio ambiente, retira direitos das populações vulneráveis e favorece a especulação imobiliária.
O projeto, de autoria do Executivo, traz mudanças como a alteração do uso do solo em determinadas regiões do município, modificações nos dispositivos de proteção das Ilhas de Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora do Loreto, e redefinição dos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) do Vale Encantado, um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da capital. O PL foi aprovado pelos vereadores no dia 24, mesmo com recomendação contrária do Ministério Público (MP-BA).
Para Maura Cristina, integrante da Articulação do Centro Antigo e coordenadora estadual do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), o projeto de lei “provoca mudanças no modelo de cidade com graves impactos ambientais, sociais e econômicos, especialmente para a população negra, periférica e trabalhadora. Este PL 175 está a serviço do mercado imobiliário sem a participação popular. Não atinge só a estrutura física da cidade, mas também sua memória, cultura e identidade”.
Com a aprovação, o PL segue para a sanção do prefeito Bruno Reis (União Brasil). Os manifestantes demandam que o chefe do Executivo vete o projeto.
‘Passando a boiada’
A oposição da Câmara foi contrária à aprovação do PL. A vereadora Marta Rodrigues (PT) destaca que a iniciativa faz parte de um projeto político da Prefeitura Municipal de destruir o meio ambiente e favorecer o setor empresarial.
“O PL 175/2024 é um absurdo e simboliza mais um capítulo da destruição ambiental promovida pela Prefeitura. Não explicita se serão maiores ou menores as áreas de proteção ambiental, deixando bastante entendido que o benefício não será para a população. Mais uma vez é a cidade sendo liberada para passar a boiada: derrubam árvores, vendem áreas verdes, alteram a Louos, numa perspectiva de beneficiar a especulação imobiliária”, aponta.
Movimentos ambientalistas também criticam a proposta. Para a bióloga Tatiana Bichara, membro do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e do coletivo SOS Vale Encantado, a iniciativa vai na contramão dos interesses socioambientais que o Executivo deveria adotar.
“Eu acredito que qualquer política, qualquer interferência tem que ser muito cuidadosa e respeitar as legislações vigentes, principalmente considerando a existência da Lei da Mata Atlântica e que Salvador tem menos de 3 mil hectares de Mata Atlântica conservados. Ao contrário, as propostas de planejamento urbano e de gestão da paisagem deveriam ser mais voltadas para os corredores ecológicos, não para a urbanização desenfreada e sem planejamento”, destaca.
Irregularidades
Líder da bancada da oposição, a vereadora Aladilce Souza (PCdoB) admite uma possível judicialização do PL 175/2024. “Esse projeto tem vício de inconstitucionalidade, tanto que o Ministério Público recomendou a suspensão da tramitação, o que não aconteceu. Entre outras irregularidades, o PL antecipa a revisão do PDDU [Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano], para a qual a Prefeitura contratou uma empresa de fora, com dispensa de licitação”, denunciou.
A vereadora cita o posicionamento do MP-BA, por meio da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, que no dia 9 já havia recomendado a suspensão da votação. Assinado pela promotora Hortênsia Gomes Pinho, o documento aponta que a votação do PL é prematura porque o projeto foi concebido sem o devido planejamento, estudos técnicos e a participação popular necessária. No dia 25, um dia após a votação, a promotora assinou nova recomendação para que o prefeito não sancione o projeto.
Em entrevista para a TV Bahia, Pinho também argumenta que a prefeitura contratou uma consultoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no valor de R$ 3,6 milhões, para fazer uma série de estudos sobre a Louos e o PDDU, mas esses relatórios sequer estão prontos. Para a promotora, sancionar a lei sem que haja a finalização desse processo esvaziaria o propósito dos estudos.
“Não tem sentido você aprovar mudanças pontuais na Louos se [estamos] em contexto de atualização geral. O problema grave é que essas alterações, além de atropelar esse processo de atualização, foram feitas sem nenhum estudo técnico”, salienta.
Em entrevista coletiva, Bruno Reis questionou o posicionamento do MP-BA, mas diz que não leu a recomendação enviada pelo órgão.
“Acho que o MP está sendo induzido pelas notícias que se espalharam. Eu não vi ainda a recomendação do Ministério Público. Quando eu tiver acesso, vou esclarecer os pontos de vistas e as dúvidas que existem para desmistificar os boatos que se espalham.”
O Brasil de Fato entrou em contato com a Prefeitura de Salvador para comentar sobre as acusações dos manifestantes e vereadores, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.
Publicado em 2 de outubro de 2025 em Brasil de Fato
Texto: Lorena Andrade
Editado por: Maria Teresa Cruz