“ÁGUAS PARA A VIDA E NÃO PARA A MORTE!” Intercâmbio entre as comunidades do Baixo Rio Pardo e Porto Sul reúne mais de 100 pessoas em Canavieiras.

Via Observatório Rio Pardo Vivo e Corrente

Intercâmbio entre as comunidades do Baixo Rio Pardo e Porto Sul. Foto: Comunicação CEAS

A Articulação em Defesa do Rio Pardo realizou no último dia 2 o “Intercâmbio entre as comunidades do Baixo Rio Pardo e Porto Sul” na Ilha de Atalaia em Canavieiras. O encontro ocorrido na Reserva Extrativista de Canavieiras (RESEX) contou com representações de comunidades de Canavieiras, Comandatuba, Ilhéus, Itabuna, Itororó, Mascote, Santa Luzia, além da participação de professores e pesquisadores da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto Federal Baiano (IFBA) e da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).

O objetivo do intercâmbio foi propiciar um momento de reflexão sobre a importância da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo para a reprodução da vida de centenas de comunidades, da sua nascente até sua foz, e a organização e a luta dessas comunidades frente aos conflitos causados pela política de desenvolvimento que expulsa os povos do campo, destrói a natureza, entrega nossas riquezas e exclui as populações das tomadas de decisão.

Foto: Comunicação CEAS

O encontro foi realizado na forma de uma caminhada, organizada pela Associação Mãe dos Extrativistas da Resex de Canavieiras (Amex), saindo da sede da RESEX até a foz do Rio Pardo. Durante o percurso os participantes dialogaram sobre a conquista da Reserva Extrativista e a importância do território para a conservação dos mangues e restingas da região, além do próprio Rio Pardo. Cerca de 2300 famílias vivem hoje na RESEX do trabalho com a pesca, agricultura familiar e pequenas criações e dependem dessas águas para continuarem suas atividades.

A conquista da RESEX em 2006 teve um papel fundamental para impedir o avanço da carcinicultura (criação extensiva de camarões em viveiros), atividade que pressupõe desmatamento, supressão das áreas de mangue, contaminação da água utilizada pelas comunidades, além de demandar grandes quantidades de água. A luta das comunidades também foi responsável por frear a intensificação da pecuária na região, atividade que além de ser historicamente a maior responsável pelo desmatamento da Mata Atlântica, tem como prática a drenagem dos brejos para o plantio de pastos na região.

Foto: Comunicação CEAS

O intercâmbio mostrou que essa luta garantiu não só a sobrevivência das famílias da área da RESEX, mas a preservação de mais de 20 mil hectares de Mata Atlântica. Esse papel cumprido pelo povo organizado tem se mostrado fundamental em tempos de crise climática que deu sinais devastadores no sul da Bahia em 2022 e causou impactos ainda mais trágicos recentemente no Rio Grande do Sul.

Ao fim do encontro, foi lida a Carta Política da I Caminhada da RESEX, firmando o compromisso da unidade entre as comunidades, organizações populares e comunidade científica em defesa de um projeto de desenvolvimento que priorize a vida das populações do campo, da cidade, das águas e das florestas e contra a mercantilização da natureza pelo capital predatório.

Leia a carta na íntegra:

Carta da I Caminhada da RESEX

POR UM RIO PARDO VIVO E CORRENTE!

O município de Canavieiras e outros 33 municípios baianos e mineiros compõem a Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. Os rios Panelão, São Pedro, Cipó e Salsa são algumas das centenas de veias de águas que compõem este território, abastecendo mais de 30 mil famílias e equipamentos comunitários como postos de saúde e escolas. Considerando os demais rios e córregos, a Bacia abastece uma população superior a um milhão de habitantes. 

Nesta Bacia, desde sua nascente até sua foz, vivem agricultores tradicionais, geraizeiros/as, extrativistas, quilombolas, indígenas, acampados, assentados de reforma agrária, pescadores/as e marisqueiras que dependem dessas águas para garantir as necessidades básicas de suas famílias (alimentação, saúde, lazer) e para a geração de renda e trabalho, ou seja, para a reprodução a vida. 

Desde o período colonial com a invasão portuguesa, as águas desta bacia vem sendo geridas de forma irracional. A lógica insana do modelo capitalista de produção – a partir do uso de venenos, adubos químicos, mineração, desmatamento, queimadas, irrigação com pivô central para irrigar pasto e café, monocultivos de eucalipto, criação de camarão e gado – vem causando a morte e o envenenamento das nossas águas, questão já denunciada desde 2015 por um conjunto de organizações e movimentos que compõem a Articulação da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo (BA/MG). 

As primeiras denúncias oficiais registradas, relativas aos impactos da carcinicultura sobre a pesca no município de Canavieiras, datam de 2002, quando seis associações de pescadores de Canavieiras denunciaram a alta mortandade de peixes, crustáceos e caranguejos decorrente das atividades de fazendas locais (CPT, Caderno de Conflitos no Campo, 2010).

A natureza e nossos rios gemem de dor. As terríveis e dramáticas enchentes ocorridas no final de 2022 e início de 2023 demonstraram que a destruição dos brejos do Baixo Rio Pardo em larga escala ampliou o impacto nas comunidades e no município de Canavieiras. Situações como essas ocorridas em nossa região e como a que ocorre atualmente no Rio Grande do Sul são um sinal de alerta para a sociedade!

Os problemas se estendem das áreas urbanas aos espaços rurais. Por exemplo, as águas que saem das torneiras das casas de Canavieiras não são devidamente analisadas como prevê a legislação. Entre 2014 e 2017, em um levantamento realizado sobre a qualidade das águas do município de Canavieiras, foram detectados 15 tipos de agrotóxicos, 8 deles  associados a doenças crônicas como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos (SISAGUA/MS). Todo município deve monitorar a água que chega nas torneiras de acordo com os parâmetros de potabilidade definidos pelo Ministério da Saúde. 

A recente investida de licenciamento de drenagem e destruição dos Brejos Costeiros em áreas de Restinga da Comunidade de Campinhos na RESEX de Canavieiras para a implantação e projetos de pecuária, juntamente com as ameaças e pressão sobre as lideranças representam a forma de operar do capital que lucra com a destruição da natureza.

Diante destes conflitos existentes, como as comunidades, movimentos sociais, igrejas, jovens, mulheres que se preocupam com a vida, podem se organizar para defender nossas águas e terras frente à irracionalidade do lucro acima de tudo deste sistema capitalista?

Como podemos reivindicar políticas que garantam água para todas as formas de vida na Bacia, bem como para construir alternativas de gestão das águas confiáveis e eficazes que favoreçam os rios Panelão, São Pedro, Cipó e Salsa vivos e correntes?

Diante do atual contexto de ameaças à sobrevivência das comunidades, exigimos dos órgãos responsáveis a imediata suspensão dos licenciamentos e autorizações emitidas para a construção de valas de drenagem dos brejos costeiros da Comunidade de Campinhos e a proteção das lideranças que estão sendo ameaçadas por defender os interesses comunitários, que também são de toda humanidade.

Assim cabe ao ICMBIO, MPF, DPU e demais entes governamentais promover ações no sentido de resguardar o direito à Consulta Livre Prévia e informada, conforme estabelece a Convenção 169 OIT e a proteção da RESEX de Canavieiras e suas comunidades conforme o decreto de 5 de junho de 2006 que criou a unidade.

O Papa Francisco relata a importância da preservação deste bem precioso para toda a humanidade. O acesso à água potável e segura é um direito essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e portanto é condição para o exercício de outros direitos humanos (Laudato SI, nº30)A Rede de Mulheres e Associações Comunitárias da RESEX de Canavieiras (AMEX) nos ensina que proteger um bem coletivo, que são as águas do Rio Pardo e seus afluentes, significa proteger e defender seu território e, consequentemente, proteger as vidas do presente e do futuro. Água é vida, geradora de vida e um dos símbolos mais poderosos da natureza!

Conclamamos para a continuidade deste mutirão do povo e que as bênçãos destas nascentes possam ser o início de um novo ciclo de solidariedade entre as comunidades e grupos que aqui estão presentes. Assim formaremos uma rede de guardiões e guardiãs das águas.

A Articulação da Bacia do Rio Pardo (Bahia/Minas Gerais) soma-se a este mutirão realizado pelos guardiões e guardiãs das comunidades e povos tradicionais, entidades religiosas, associações e grupos populares do campo e da cidade que vivem e atuam na defesa deste importante território do estado baiano.

É somente na organização do poder popular do campo e da cidade que conseguiremos reverter a dramática situação socioambiental que estamos vivendo atualmente!

ÁGUAS PARA A VIDA E NÃO PARA A MORTE! SEM ÁGUA NÃO EXISTE VIDA!

Canavieiras

02 de junho de 2024

OBSERVATÓRIO RIO PARDO VIVO E CORRENTE