Como o audiovisual fortalece a luta por direitos das mulheres e das juventudes negras em Salvador?

Cine debate na Ladeira da Preguiça discute a produção audiovisual no contexto das lutas por moradia no Centro Histórico de Salvador.

O Centro de Estudos e Ação Social e a Cozinha Comunitária Dona Lia promoveram na última sexta (8) o cine debate: “Memórias e Narrativas de (Re)Existências: A produção audiovisual nas lutas urbanas” na Ladeira da Preguiça, Centro Histórico de Salvador. Cerca de 40 pessoas se reuniram para a exibição do mini documentário “Ocupar e resistir: o coração do Centro Histórico de Salvador” (2023), que aborda a luta pela permanência popular no centro histórico e o cuidado do povo com o espaço construído e ocupado historicamente pela população negra.

A atividade contou com a participação da Articulação do Centro Antigo de Salvador, do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas, (GRUMAP), do Coletivo Trama e representantes da disciplina Perícia Popular no Centro Histórico de Salvador da UFBA que produziu o mini doc. No espaço, houve a socialização de diferentes experiências na produção audiovisual dentro do contexto de lutas urbanas na capital baiana.

Suzany Varela, moradora da Preguiça e coordenadora da Cozinha Comunitária Dona Lia entende a produção audiovisual “como mais uma forma de aquilombamento: já que vendem a nossa história há tanto tempo, por que nós mesmas não produzirmos sobre nossa história?” A ativista comunitária ressaltou a coletividade do processo da produção para além do seu produto final, o que envolve a participação da comunidade em toda a construção dos filmes até a exibição feita nas ruas, como ocorria na Preguiça: “é sobre como o audiovisual pode fortalecer a comunidade”.

Eliane Santos, representante da Cozinha Comunitária Dona Lia e da Articulação do Centro Antigo, saudou a atividade e a sua importância na resistência popular no centro histórico: “os jornais já passam a maior parte do tempo falando mal da gente, há toda essa tentativa de expulsão, mas não podemos sair de nosso território (…). O Estado tem uma dívida histórica com o povo do centro de Salvador.” Moradora da Preguiça há quase quatro décadas, a liderança destaca a troca de saberes com a juventude “que tem a aprender e ensinar” e a união de laços criados sobretudo entre as mulheres: “as mulheres estão à frente na luta, no trabalho e na resistência.”

Esse processo de tentativa de expulsão do povo negro do centro tende a se acirrar, de acordo com Maura do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB). Durante sua fala no cine debate, a dirigente analisou o cenário eleitoral e falou da importância de espaços como o aquele e a produção de áudio e vídeo para fortalecer os sujeitos em luta: “nossa história sempre foi de resistência, lá atrás havia quem contava nossas histórias e elas foram queimadas, violentadas. Devemos e precisamos continuar produzindo nossa história”, conclui Maura.

A produção do documentário “Ocupar e resistir” integra uma cena de produção audiovisual promovida por diversas organizações populares na capital baiana. Aila Cristina de Jesus, representante do GRUMAP, socializou a experiência de produção de filme no Alto das Pombas e destacou as juventudes do coletivo CineArte contando a trajetória deste grupo de mulheres negras: “o audiovisual dá uma oportunidade para a juventude ser ouvida e contrapõe as narrativas existentes sobre os rostos que constroem os territórios.  É sobre a valorização da cultura, história e luta da população negra pela garantia e permanência nos seus territórios.”

Suzany revelou a construção de um novo material de vídeo específico sobre as moradoras da Ladeira da Preguiça, “Flores da Ladeira”, a ser lançado no dia próximo dia 30 de Novembro no mesmo formato da atividade.

Apoena Ferreira (CEAS) ressalta a importância de espaços culturais e artísticos como o cine debate na disputa das narrativas existentes sobre a população negra no centro histórico e nas áreas periféricas: “trata-se de dizer quem são essas pessoas, porque vivem nesses territórios e que elas são protagonistas de suas histórias e memórias, merecem respeito e viver com dignidade”, conclui.