
Entre os dias 21 e 23 de novembro de 2025, representantes de comunidades, entidades, movimentos sociais e pesquisadores percorreram territórios de Minas Gerais e da Bahia na “Missão Rio Pardo: um rio marcado para resistir”.
A atividade, convocada pela Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente, teve como objetivo central a reflexão sobre os graves problemas socioambientais que assolam a bacia e fortalecer a unidade entre as populações que resistem às ameaças históricas de um modelo de desenvolvimento predatório.
O intercâmbio buscou promover a troca de experiências de luta e resistência entre as comunidades localizadas na parte alta, média e baixa da bacia. O intuito foi criar uma análise conjunta dos conflitos e fortalecer a articulação em defesa dos territórios, unindo forças entre os dois estados.









A missão representou um passo importante para unificar as denúncias e iniciar a construção de uma estratégia comum de enfrentamento aos projetos que ameaçam o rio e as milhares de famílias que dele dependem.
Os participantes da missão percorreram três municípios ao longo dos três dias. As atividades iniciaram na comunidade Sobrado, em Rio Pardo de Minas-MG, na sexta-feira, 21. No sábado, as discussões prosseguiram no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Taiobeiras-MG, com o encerramento ocorrendo no domingo, 23, no Centro de Formação Derli Casales do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), em Vitória da Conquista-BA.
A estrutura do encontro combinou momentos de formação, análise de conjuntura, visitas a territórios e debates políticos, criando um espaço fértil para a partilha e o planejamento coletivo.









Um rio marcado para morrer
A luta em defesa do Rio Pardo é anterior à própria articulação que hoje anima as comunidades. Há 35 anos, o documentário “Um rio marcado para morrer”, de Jorge Melquisedeque, já alertava sobre o cenário delicado do rio que nasce em Minas Gerais e deságua na Bahia.
Através dos depoimentos de pescadores, lavadeiras, agricultores e trabalhadores desapropriados, a obra expõe o impacto do desmatamento, da poluição, da construção de grandes barragens e, sobretudo, do modelo de desenvolvimento imposto às populações que vivem na bacia. À época, estava em construção a PCH Machado Mineiro, obra que teve impacto direto na falta d’água para o município de Cândido Sales-BA e para as comunidades que viviam além da barragem.
A abordagem sobre a crise climática, sua relação com o modelo de desenvolvimento e suas afetações para as populações trabalhadoras do campo e da cidade revelam que as problemáticas apresentadas não só permanecem sem solução como se intensificaram e ganharam novas facetas.






Velhos problemas, novos desafios
A reflexão sobre a conjuntura feita durante a missão revela um cenário de aprofundamento dessa crise. Os desafios expostos no documentário há 35 anos agravaram-se com a chegada de novos elementos, como a mineração e a especulação mineral.
Os dados apresentados durante o espaço mostram que, de 2015 a 2024, o volume de água outorgado da calha principal do rio saltou de 17 milhões para 51 milhões de metros cúbicos. São 413 outorgas, em sua maioria para irrigação de monocultivos, especialmente o café.
Surge também nesse cenário a ameaça da mineração nos dois estados cortados pelo Rio Pardo. Ao todo são cerca de 3.400 processos minerários registrados na Agência Nacional de Mineração nos municípios que compõem a bacia hidrográfica, sobretudo da fase de pesquisa. Também foram identificadas outorgas de água para a atividade mineral no estado de Minas Gerais, tendência que deve se alastrar dado o nível de especulação em toda a bacia.
Representantes da Articulação Rio Pardo defendem que esta política de concessões, que privilegia o agronegócio e a mineração, aprofunda a crise climática, garante lucro para poucos e compromete o abastecimento de água no campo e na cidade, afetando diretamente a agricultura familiar que garante a alimentação do povo brasileiro.
Um rio marcado para resistir
A Missão Rio Pardo apresentou um robusto material de denúncia, mas também anunciou diversas experiências de luta e resistência das populações na defesa das águas e dos territórios. As comunidades apresentaram práticas como cercamentos e reflorestamento de nascentes, leis de iniciativa popular, gestão coletiva das águas, formação de mulheres e jovens e o fortalecimento da agroecologia como saídas para enfrentar esses desafios.
A missão reforçou a compreensão de que, se os problemas são estruturais e comuns a toda a bacia, as soluções também devem ser coletivas. A unificação das lutas entre geraizeiros, pescadores, marisqueiras, agricultores familiares, quilombolas, indígenas e trabalhadores urbanos se mostra como o único caminho para reverter a lógica destrutiva.



A pauta de uma gestão popular das águas da bacia surge como uma necessidade urgente, contra a mercantilização deste bem comum e pela defesa da água, um direito humano fundamental e reconhecido mundialmente.
Neste contexto de articulação, organização e resistência da luta popular, surge a ideia da produção de um novo documentário, “Rio Pardo: um rio marcado para resistir”, este que contará histórias do entorno da bacia, percorrendo caminhos semelhantes ao antigo documentário, “Rio Pardo: um rio marcado para morrer, porém trazendo unificação dos povos, entidades e movimentos que garantem o rio vivo e corrente. Contudo, esta missão marcou o início das gravações para o novo documentário, no qual será dirigido por Luciano Dayrell, com a participação nas filmagens de Valdir Dias, dois fotógrafos e documentarias que há anos vem realizando trabalhos com comunidades tradicionais e entorno da Bacia do Rio Pardo.



Por um Rio Pardo vivo e corrente
A “Missão Rio Pardo: um rio marcado para resistir” foi organizada por diversas organizações que compõem a Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente, que, durante a missão celebrou seus dez anos de luta e resistência.
Organizada em 2015, após um encontro com representantes do Alto, Médio e Baixo Rio Pardo no município de Canavieiras-BA, a articulação atua a partir de uma metodologia que combina o anúncio e a denúncia: anúncio das práticas populares de cuidado com o território e denúncia do modelo de desenvolvimento desigual e predatório.
A missão de novembro fortaleceu essa articulação, que segue comprometida em construir a unidade programática entre as comunidades, entidades e movimentos e formar militantes preparados para a luta em defesa das águas.






O encerramento foi marcado pela leitura de uma Carta Manifesto, que conclama a todos e todas para a continuidade deste “mutirão do povo”. O documento reafirma a convicção de que “é somente na organização do poder popular do campo e da cidade que conseguiremos reverter esta situação e garantir um Rio Pardo Vivo e Corrente!”.
Clique para acessar a carta >> CARTA MANIFESTO DA MISSÃO RIO PARDO: UM RIO MARCADO PARA RESISTIR.