por CPT-BA e Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais
O evento ocorreu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil e reuniu lideranças populares, representações de organizações sociais e estudantes. A mesa foi composta por integrantes da CPT-BA, da AATR, da OAB-BA, do Ministério Público e dos grupos de pesquisas GeografAR e Néctar, ambos da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A Comissão Pastoral da Terra elabora desde 1985, há 40 anos, o relatório Conflitos no Campo Brasil, importante documento que aborda quais são os principais atingidos e tipos de conflitos a que os camponeses estão submetidos no país, quem os gera e quais são as formas de resistência popular. Os dados apontam que o ano de 2024 teve o segundo maior número de registros (2.185) da série histórica, atrás apenas do ano anterior (2.250).
Durante a mística inicial foram evocadas as memórias de mártires da terra, companheiros que tiveram as vidas ceifadas a mando de pessoas interessadas em combater suas resistências e lutas. O momento lembrou que a data marca os 40 anos do assassinato do companheiro Zacarias, posseiro assassinado a mando de um fazendeiro em 13/08/85. Também há 40 anos ocorreu a Chacina de Puxim Sarampo, em 02 de julho, no Sul da Bahia, resultando na morte de 4 posseiros.
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“Para nós é muito significativo fazer esse registro do Caderno de Conflitos há 40 anos, motivados pela Chacina do Sarampo e pelo assassinato de Zacarias, que são mais do que números, foram companheiros”, afirmou Cláudio Dourado, agente da CPT-BA.


Mística inicial do Lançamento do Caderno de Conflitos no Campo 2024. Foto: Thomas Bauer (CPT-BA).
Outra companheira homenageada foi a liderança indígena Nega Pataxó, do povo Pataxó Hãhãhãe, do sul da Bahia. Assassinada em janeiro de 2024 a mando do Movimento Invasão Zero, Nega lutava pela demarcação da T.I. Caramuru Catarina Paraguaçu.
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A Bahia registrou o terceiro maior número de ocorrências, ficando atrás apenas do Maranhão (420) e do Pará (314). No estado baiano foram registrados 135 conflitos por terra em 2024, com 10.683 famílias impactadas diretamente. Foram construídas 7 ocupações, com participação de 1.463 famílias sem terras, e 2 retomadas, protagonizadas por 51 famílias indígenas.
“Uma “novidade” em 2024, tratada com muitos dados neste Caderno, é o movimento “Invasão Zero”. Fundado na Bahia, o grupo ruralista, composto por grandes fazendeiros e proprietários de terras, notabilizou-se por ações violentas contra famílias em acampamentos, ocupações e retomada de territórios. Além destas ações diretas em todas as regiões no Brasil, o grupo também exerce influência nas casas legislativas, promovendo projetos de lei que criminalizam as ações e movimentos de luta pela terra.”
Conflitos no Campo Brasil 2024

“É importante destacar que a presença desse estado paralelo está se fortalecendo cada vez mais e expandindo para o Brasil”, alerta Cláudio sobre a atuação em expansão do “Invasão Zero”, que difunde práticas de milícia rural no estado da Bahia.
“Quando a gente observa esse número retrospecto, vê que tem uma crescente constante, com pico no ano de 2023, sendo os conflitos por terra o maior destaque. O ano de 2024 traz números alarmantes de conflitos, são 2.185, sendo que 13 resultaram em assassinatos. As categorias que mais sofrem com os crimes fatais são os indígenas (5), seguidos dos sem terra (3)”, frisou Adeane Campos, agente da CPT-BA.


Adeane Campos e Cláudio Dourado, agentes da CPT-BA. Foto: Thomas Bauer (CPT-BA).
Foram registradas na Bahia 91 ocorrências de violências contra a pessoa: 1 assassinato, 69 ameaças de morte, 1 morte em decorrência de conflito, 9 processos de criminalização, 4 prisões arbitrárias, 3 agressões, 3 processos de intimidação e 1 pessoa impedida de se locomover livremente. Essas violências são direcionadas principalmente a lideranças locais e ocorrem dentro dos processos de conflitos que envolvem os demais eixos, principalmente na luta pela terra e por demarcação de territórios.
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Para a professora da UFBA e pesquisadora do Néctar – Ecologia Política e Territorialidades Diana Aguiar, a persistência estrutural dessas violências se deve a uma impunidade institucionalizada ao longo das diversas fases dos conflitos agrários no país: “Os cadernos de Conflito da CPT conseguem traçar um panorama destas transformações da própria questão agrária no Brasil, pois consegue adaptar seu processo de documentação ao longo do tempo incluindo novas questões que são indispensáveis para a leitura de cenário, como os conflitos por água, gênero, novos recordes, fogo, agrotóxicos, etc”.
De acordo com Jürgen Fleischer, Promotor de Justiça na regional de Santa Maria da Vitória e coordenador do núcleo de conflitos agrários, o enfrentamento é a única forma de mudar a realidade violenta: “Esse modelo predatório e de concentração de renda é insustentável e extremamente danoso economicamente. O maior subsídio do Estado da Bahia é o caos, que permite que o latifúndio aja de forma livre. As instituições públicas precisam dessa cobrança popular para reagirem”.


Diana Aguiar, do Néctar, e Jürgen Fleischer, Promotor de Justiça. Fotos: Thomas Bauer (CPT-BA).
Segundo o presidente da Associação de Advogados de Trabalhadores/as Rurais (AATR) e advogado popular histórico João Régis, a Bahia figura entre os estados com mais conflitos por causa da atuação deficitária dos agentes públicos: “A omissão do Estado da Bahia se revela ao não agir na interrupção de esquemas de grilagem e ao não fiscalizar também os licenciamentos ambientais, vide o escândalo recente do Inema. Dessa forma, são cúmplices desses conflitos ao permitir que as empresas do agronegócio ajam livremente.”
Conforme a averiguação do Caderno de 2024, a resistência popular persiste e foram registradas 56 manifestações de luta na Bahia. Entretanto, a professora e pesquisadora do Néctar Juliana Neves salienta que a luta precisou se remodelar ao longo dos anos: “Como tem se dado essa resistência? Teve que se reconfigurar em termos de identidade e enfrentar novos desafios, com ofensivas de cerceamento novas”. Para ela, isso levou a uma conjuntura em que estamos lutando para manter o pouco do que temos sem ousar avançar em novas pautas. Juliana ainda convocou o público presente a pensar em como enfrentar as estratégias da extrema direita, que emulam ações dos movimentos sociais para aparecerem como protagonistas para o público.


João Régis, presidente da AATR, e Juliana Neves, do Néctar. Foto: Thomas Bauer (CPT-BA).
Durante a fila do povo, Maria José Pacheco, agente do Conselho Pastoral dos/as Pescadores/as (CPP), chamou atenção para o fato de que os conflitos estão cada vez mais voltados para as riquezas naturais: “Agora a guerra é para se apropriar dos recursos e por isso essas comunidades cercadas de recursos naturais estão no alvo”.

A mediadora do debate e liderança do Grupo de Pesquisa Geografar/UFBA Guiomar Germani fechou o lançamento lembrando um trecho da música Cantos Dos Mártires da Terra, entoada durante a mística inicial: “Haveremos de ver qualquer dia chegando a vitória, o povo nas ruas fazendo história, crianças sorrindo em toda a nação.” Para a pesquisadora, “é essa vida que tem liberdade para a gente manifestar a felicidade da vida”.
O lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024 buscou, além de debater as raízes históricas e políticas dos conflitos no campo, reforçar a necessidade da articulação entre as organizações populares em defesa dos territórios e dos direitos dos povos camponeses. A CPT reiterou o compromisso com a sistematização dos dados referentes aos conflitos no campo por entender que esse documento serve de base teórica para os enfrentamentos políticos, além de ser uma ferramenta de memória e celebração da luta camponesa.

CPT-BA presenteia a OAB com exemplares do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024. Foto: Thomas Bauer (CPT-BA).




Fila do Povo. Fotos: Thomas Bauer (CPT-BA).


Auditório da OAB. Fotos: Thomas Bauer (CPT-BA).
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Texto: Helenna Castro (CPT-BA) e Rebeca Bastos (AATR).
Fotos: Thomas Bauer (CPT-BA).