Educadoras da rede pública se reúnem para debater volta às aulas após onda de violência em comunidades de Salvador

“O que nós vamos fazer com nossos alunos?”, “o que eu, como professora, vou falar quando as aulas voltarem?”, “qual o papel dos educadores nesse contexto?” Essas foram algumas das inquietações que moveram profissionais da educação da rede municipal de ensino de Salvador a se reunirem na manhã desta segunda (11) na Escola Municipal Casa da Amizade, no Jardim Apipema. O encontro, organizado por organizações comunitárias e gestoras de ensino das escolas públicas Nossa Senhora de Fátima, Tertuliano de Góes, CMEI Calabar, Colégio Antônio Carlos Onofre e Escola Casa da Amizade, localizadas no Calabar, Alto das Pombas e adjacências, teve como objetivo criar um espaço de acolhimento e diálogo diante da onda de violência que se agravou nas últimas semanas na capital baiana, que afetou moradores e toda a comunidade escolar das áreas atingidas.

Uma das demandas mais urgentes para as mais de 100 presentes no encontro – entre professoras, gestoras, merendeiras, auxiliares de serviços gerais e ADI’s (auxiliares de desenvolvimento infantil), muitas delas também moradoras das comunidades afetadas – é lidar com o emocional diante de tamanha insegurança. Para dialogar com esse problema, o encontro teve início com um momento de autocuidado com a neuroeducadora Josete Moreno, que demonstrou técnicas de respiração, consciência corporal e meditação que poderiam ser replicadas em diversos espaços, como em casa ou na própria escola. Mais do que oferecer técnicas prontas, o objetivo da neuroeducadora foi o de incentivar que os profissionais validassem suas emoções, escutassem a si mesmos e uns aos outros. “Escolas são feitas por pessoas e pessoas são feitas de sentimentos”, destaca Josete.

Formação crítica para a transformação social

Já para contribuir com o debate sobre a situação das comunidades periféricas e das escolas públicas, o encontro também promoveu uma análise da conjuntura sobre a realidade socioeconômica do país e os desafios dos profissionais de educação. O debate contou com a contribuição de Joaci Cunha e Apoena Ferreira, assessores do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), que trouxeram apontamentos sobre a relação entre as mudanças estruturais do capitalismo e o aumento do empobrecimento, informalidade e encarceramento da população negra do país. 

Para Joaci, o papel dos educadores nesse contexto é o de fomentar a conscientização dos estudantes sobre o mundo em que vivem. “É preciso ajudar os alunos a entenderem a sociedade de forma crítica para que compreendam como a realidade funciona dentro e fora de suas comunidades”, aponta.

Carla Dantas, professora da Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, completa: “Não é possível pensar em um planejamento escolar em que as questões de gênero, classe, raça e religião não estejam no centro. É preciso pensar a educação como uma confluência, pois nós somos a pele-alvo”, salienta.

É preciso aquilombar-se

A necessidade de fortalecer o diálogo entre família e comunidade escolar é uma das saídas apontadas na discussão. “Nós estamos no fogo cruzado de um jogo político. Não dá mais para não pensar na relação com as mães. Elas são nossas cúmplices, nossas parceiras”, destaca Rita Pereira, professora e membro do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas (GRUMAP). “É na conversa que está nossa saída, uma conversa para nos ajudar a pensar e refletir”, completa.

O envolvimento de outros atores da sociedade civil também é elencado como uma demanda necessária para fortalecer a pressão contra o Poder Público diante da violência. “É preciso que GRUMAP, CEAS, sindicatos, OAB, toda sociedade civil se posicione. Nós não conseguimos construir uma reação unitária nem quando estamos sob ataque”, reforça Joaci. 

 Apoena resgata o papel dos quilombos como uma simbologia necessária para recuperar a força e unidade popular, especialmente do povo negro. “O quilombo é uma instituição que existe há séculos no Brasil. E o quilombo não reivindica o Estado – ele se auto-organiza. E eu vejo essa nossa organização como um aquilombamento. É preciso que nos aquilombemos”, finaliza a assessora.