Juventude se organiza e defende conscientização para fortalecer a defesa da Bacia do Rio Pardo

Da página do Observatório do Rio Pardo

Ao longo dos mais de 700 km da nascente do Rio Pardo até o seu encontro com o mar cruzando o estado de Minas Gerais e Bahia, a diversidade cultural e ambiental marca o território da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. Povos indígenas, ribeirinhos, trabalhadores rurais e a população de 37 municípios brasileiros têm o desafio de resistir na defesa deste que é um dos principais rios da região semiárida do Brasil.

O avanço de empreendimentos capitalistas na região ameaça a forma de vida e o bem-estar das comunidades originais e sua população, o que demanda ações de resistência e luta na defesa do território. Nesse cenário, a participação da juventude se torna determinante no enfrentamento às grandes empresas, que insistem num discurso de desenvolvimento local que, na prática, nunca se concretizou.

Diante desta realidade, jovens agricultores, ribeirinhos e indígenas despontam como lideranças que fazem toda a diferença em suas comunidades através da ação e das iniciativas voltadas à conscientização das pessoas sobre os verdadeiros propósitos dos que invadem o território da Bacia do Rio Pardo para interferir no meio ambiente e roubar suas riquezas naturais.

Um deles é Tamanir Rocha Titiah, de 24 anos. Tamanir faz parte do povo indígena Patachó-hã-hã-hães e vive numa área demarcada no município de Pau Brasil, no sul da Bahia. Atualmente, o jovem estuda Comunicação Social na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e integra o coletivo LGBTQIA+ da sua aldeia.

Foto: Arquivo pessoal

Ao receber o convite do CEAS para participar do Intercâmbio de Formação de Jovens sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Pardo (BHRP), realizado em maio deste ano, Tamanir entendeu a atividade como um compromisso a ser cumprido, pois se vê consciente do seu papel como indígena na defesa do território. “A gente encara como um dever a ser cumprido, pois quando se trata de meio ambiente, está tratando das nossas vidas mesmo”, destaca o jovem.

O Patachó-hã-hã-hães aponta que o encontro de jovens, realizado em Canavieiras (BA), ampliou sua compreensão sobre a BHRP, sobretudo em relação às partes alta e média da bacia, onde a situação é mais crítica. Embora avalie que a região baixa, onde mora, esteja mais preservada, Tamanir afirma que já percebe algumas mudanças no corpo hídrico, como manchas escuras na água, morte de peixes e o aparecimento de piranhas, uma espécie que não é natural do Rio Pardo.

Foto: Arquivo pessoal

Na compreensão de Tamanir Titiah, muitos jovens não demonstram interesse pelas questões relacionadas ao meio ambiente, não sabendo o impacto que isso causa na vida da comunidade. O indígena ressalta que o jovem é a luta de agora, e se a juventude não fizer o seu papel na defesa das suas origens e da natureza, todos continuarão sofrendo as consequências.    

“A mãe terra está pedindo socorro e a gente não está sabendo ajudá-la e está na hora de reconhecermos os nossos erros. É como a minha avó sempre fala: o amanhã é nosso, dos jovens que estão nascendo, buscando e se interessando”, aponta.

Comunicação: trincheira de luta também no campo

Dar visibilidade aos saberes e desafios do dia a dia de quem vive no campo também cumpre um importante papel na defesa do meio ambiente. É o que tem feito Silvio de Jesus Ferreira, de 28 anos. Além de agricultor, Silvio também é comunicador e produz conteúdo das suas atividades na roça para o seu canal no YouTube, “Silvio de Jesus Aqui na Roça”, que atualmente tem mais de 50 mil seguidores. No período das fortes enchentes do Rio Pardo, o jovem fez uma importante cobertura com captação de imagens e comentários sobre a situação das cheias na região do município de Cândido Sales, no sudoeste da Bahia, onde mora atualmente.

Silvio faz parte da associação de moradores da localidade rural onde mora, e, além de trabalhar na pequena propriedade com a sua família, produz bolos e biscoitos diversos derivados da mandioca que são comercializados na sede do município. Além disso, também desenvolve um trabalho de agrofloresta em sua pequena propriedade através da assistência técnica do Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (CEDASB) que, segundo o agricultor, abriu a sua mente para trabalhar de maneira correta com a terra sem utilizar veneno, apenas adubo orgânico produzido na propriedade familiar. Toda essa rotina de agricultor familiar e produtor orgânico é compartilhada com milhares de pessoas em seu canal no Youtube. Ele já recebeu, inclusive, várias pessoas que o acompanham na internet em sua propriedade rural. 

Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal

Para Silvio, o descuido com o Rio Pardo pode ser percebido através da poluição, do assoreamento e da vazão do rio, que não é mais como era antes, o que dificulta que os peixes subam para realizar o processo de reprodução. O jovem agricultor acredita que falta conscientização para as pessoas entenderem o quanto dependem do rio e que é necessário levar ao conhecimento das pessoas os males que estão sendo causados a ele, sobretudo com a atuação das mineradoras.

“A gente precisa levar ao conhecimento das pessoas os males que estão sendo causados ao rio ao longo da bacia hidrográfica, como é o caso da ameaça imposta pela mineradora SAM com o seu mineroduto”, ressalta.

Ele destaca ainda a necessidade de mais apoio dos governantes em relação ao Rio Pardo e que a luta nas comunidades deve ser a de conscientizar o jovem de várias maneiras para conseguir engajá-los nessa luta e fortalecer o movimento cada dia mais.

Movimentos sociais organizam o povo para a luta

Os movimentos sociais cumprem um papel central na formação e organização popular na Bacia do Rio Pardo, e a juventude tem sido protagonista da luta também nessas organizações. Maria Aparecida de Sousa, de 33 anos, é um desses exemplos. Lia, como é mais conhecida, é trabalhadora rural e vive na comunidade do Muzelo, no município de Rio Pardo de Minas (MG). Há 13 anos, a jovem atua no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e atualmente coordena as discussões na parte alta da bacia a definição de protocolos de consulta a partir da realidade da população local.

Lia iniciou sua trajetória no MAB em 2010, quando a sua comunidade estava em processo de articulação contra a barragem de Berizal, outro município da região. Segundo a jovem, a empresa responsável pela construção da barragem não levou em conta os ribeirinhos que seriam atingidos com o empreendimento e não deixou claro como ficariam as famílias que iriam perder as terras caso a obra de Berizal fosse construída. “A minha organização em si até entrar no MAB foi a partir da luta dos atingidos do açude público de Berizal, porque naquele momento a ideia do projeto era construir a obra sem indenizar as famílias”, relembra.

Foto: Valdir Dias / CAA NM

Foto: Valdir Dias / CAA NM

A construção da barragem de Berizal foi interrompida e de lá para cá o Movimento dos Atingidos por Barragem trouxe outros debates para a região. Lia ressalta que, aos poucos, a comunidade entendeu que o centro da luta tem que estar, na verdade, por um outro modelo de desenvolvimento. Ela afirma que hoje consegue compreender os impactos na Bacia causados pelos grandes projetos de mineração e, por isso mesmo, entende que a luta não é somente contra os empreendimentos nocivos, mas sim pela garantia dos direitos das pessoas que vivem nos territórios atingidos.

Maria entende que muitas pessoas adultas fizeram e continuam fazendo sua parte, mas que os jovens e as crianças é que serão os responsáveis pelo futuro. Ela destaca que é necessário defender o território no presente através da luta, e a organização popular é essencial para esse processo de resistência.

“A gente sai para trabalhar fora, mas o nosso território é a nossa casa e a gente precisa cuidar, então, aí a importância da juventude se organizar e pensar nesta situação. A gente só vai conseguir conquistar o nosso direito, inclusive, de lutar por outros direitos é organizando a base, o povo, a comunidade em si nos vários segmentos”, finaliza a agricultora.