Desenvolvimento de grandes projetos minerários e ausência de participação popular remontam a uma lógica colonial que ainda não foi superada
Da página do Observatório do Rio Pardo
Atualmente, a Bahia é o terceiro maior estado na produção de minérios do país, atrás apenas do Pará e Minas Gerais. Embora a mineração seja parte da atividade humana, o que temos vivido nas últimas décadas é a intensificação da exploração minerária como parte de um projeto de desenvolvimento que coloca o lucro acima da vida das comunidades e do equilíbrio do meio ambiente.
No entanto, mais do que uma atividade econômica, a lógica por trás da mineração na Bahia é um projeto de Estado que está atrelada ao próprio papel do Brasil na economia mundial. É o que explica Hingryd Freitas, professora do Instituto Federal da Bahia – IFBA, unidade de Salvador, e pesquisadora do grupo de pesquisa GeografAR – A Geografia dos Assentamentos na Área Rural (POSGEO/UFBA/CNPq), importante parceiro dos movimentos e articulações populares, a exemplo das organizações que compõem a articulação Bahia-Minas Gerais em torno da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo (BHRP).
“É necessário compreender que se trata de um projeto desenvolvimentista adotado pelo estado da Bahia reafirmando o modelo de capitalismo dependente, que é típico dos países em desenvolvimento com fortes ligações às suas origens agrárias do colonialismo, independente de governos e espectro ideológico de esquerda, centro, direita ou extrema direita. Não se trata de uma dimensão de governo, e sim de Estado”, aponta.
“A apropriação dos territórios onde estão os minérios e a água é fundamental no modelo de negócio da mineração em países de economia primária como o Brasil. Levando em conta a nossa inserção subordinada na economia mundial, é necessário entender as consequências da estratégia desenvolvimentista do estado brasileiro que adota o modelo pautado na acumulação primária de bens naturais”, completa a pesquisadora.
A questão geográfica da mineração
Pensar mineração é pensar uma questão geográfica, onde esses minérios estão. O ponto de partida para se pensar isso é a própria localização geográfica e as condições que se definem com os próprios aspectos naturais do território. Na Bahia, municípios de destaque que têm atividade de mineração com bastante intensidade são Itagibá, Jacobina, Juazeiro, Caetité, Andorinha e Brumado. Mas, de acordo com o mapeamento feito pelo Grupo GeografAR, conflitos envolvendo a mineração são identificados em mais de 86 municípios. Hingryd destaca que esse panorama não pode ser visto de forma isolada, mas sim em articulação com a questão fundiária no estado.
“É necessário entender que a questão da mineração não se explica sem a relação com a questão agrária, são lógicas antagônicas de uso e apropriação do território que implicam nos conflitos”, salienta.
A pesquisadora salienta que hoje o capital internacional tem se tornado protagonista na exploração do nosso território a partir de grandes projetos desenvolvidos junto ao Estado, o que também aprofunda as contradições e conflitos oriundos desse modelo de desenvolvimento.
“A Bahia se coloca como o terceiro maior produtor de minério por uma ação pensada pelo estado nessa articulação com o setor minerário, que hoje não somente é representado pelo capital nacional, mas predominantemente pelo capital internacional. Isso se evidencia não só quando se pensa a ação das mineradoras no território, mas também os grandes projetos, a exemplo do mineroduto, a ferrovia da integração oeste-leste, o projeto de produção de minério de ferro em Caetité, todos tocados por grandes empresas internacionais”, destaca Hingryd.
A mineração na Bacia do Rio Pardo
A Bacia Hidrográfica do Rio Pardo (BHRP) está localizada em dois estados – Bahia e Minas Gerais – que figuram protagonismo na produção da mineração no Brasil. Pensando a bacia como um território com todos os municípios e comunidades e a população em geral que a integram, um desafio em relação à mineração é a questão dos grandes projetos, como o Bloco 8 e o mineroduto da SAM/LOTUS. Uma realidade bastante desafiadora, onde a mobilização popular trabalha por um Rio Pardo Vivo e Corrente. Hingryd salienta que o desafio diante desse cenário é fortalecer e envolver as comunidades na discussão sobre os impactos desses projetos em seus territórios.
“Atividades como a mineração e a agricultura sempre se fizeram presentes na história do Brasil. No entanto, é preciso discutir e encontrar alternativas para envolver as comunidades impactadas na discussão sobre a forma como essas atividades acontecem no território, de modo a diminuir os impactos negativos na vida das populações, como propõe o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)”, aponta.
Contribuir com a luta e resistência popular
A luta e resistência se colocam hoje na perspectiva do horizonte da luta pela vida, explica a pesquisadora do GeografAR. E a organização popular, segundo Hingryd, é o caminho para que essa resistência se apresente de forma organizada e coletiva rumo a conquistas concretas para a sociedade.
“A organização popular se define no horizonte histórico. Um exemplo são os povos originários, que ao longo do tempo lutam e resistem para a manutenção dos seus modos de vida no território. Quando a gente pensa a dimensão das organizações populares, o desafio é entender que a ação dessas organizações deve se realizar a partir dos sujeitos e com os sujeitos, não deve acontecer sobre os sujeitos. Quando os sujeitos se enxergam enquanto coletivos, já se alumia a esperança da luta e da resistência”, destaca.
Apesar dos desafios, a pesquisadora destaca que o processo de luta não começou nem se encerra no hoje. Por isso, a resistência é, também, um farol de esperança.
“É sempre importante levar em conta a perspectiva do horizonte histórico, foi a luta e resistência que nos trouxe até aqui e é com ela que a gente vai seguir a caminhada tecendo esperanças, mesmo em tempos sombrios, tentando fazer a nossa parte se não por um mundo ideal, mas que seja um mundo melhor, mais possível e menos injusto”, finaliza.