O Projeto de Lei Nº 25.915/2025 altera competências da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral sem debate público
A Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) aprovou no dia 30 de setembro de 2025 o Projeto de Lei Estadual n.º 25.915/2025, encaminhado pelo Poder Executivo. Essa aprovação marcou uma alteração no papel da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), empresa estatal de economia mista criada em 1972 com a missão de produzir conhecimento estratégico sobre o subsolo baiano.

Apresentação da CBPM durante Audiência Pública realizada na ALBA pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) da Bahia, 2024. Foto: Helenna Castro.
A principal mudança reside na redefinição do escopo de atuação da companhia. O nome formal da estatal foi alterado, passando de Companhia Baiana de Pesquisa Mineral para Companhia Baiana de Produção Mineral. A mudança formaliza a autorização para a empresa atuar para além da pesquisa e prospecção, contemplando atividades de produção, exploração, lavra, beneficiamento, descomissionamento de minas e reaproveitamento de rejeitos.
Além do foco operacional, a nova lei estabelece um modelo institucional que facilita a entrada do capital externo na mineração baiana. O PL transforma a CBPM em uma sociedade anônima de capital fechado, o que lhe permite operar no mercado de capitais, transformar dívidas em títulos negociáveis no mercado financeiro, criar subsidiárias, realizar parcerias público-privadas (PPPs), formar joint ventures e consórcios com grandes corporações privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras.
Após a aprovação do PL, o presidente da CBPM, Henrique Carballal, celebrou a aprovação como um “marco histórico” que alinharia a Bahia à vanguarda da “mineração sustentável” e à “transição energética”.
No entanto, as comunidades afetadas pela mineração e os movimentos sociais denunciam a ausência do debate público sobre a questão, os conflitos da mineração no estado e o assédio de empresas multinacionais sobre os minerais estratégicos.

Manifestação Popular realizada pelo MAM durante seu II Encontro Nacional, em Fortaleza-CE, 2025. Foto: Helenna Castro.
O que é a CBPM
Criada em 1972, a CBPM foi uma das diversas empresas estaduais instituídas no país durante o regime militar para fomentar o setor mineral. Sua função original era produzir conhecimento geológico estratégico sobre o subsolo baiano, atuando como uma empresa de pesquisa e desenvolvimento mineral.
Segundo José Caetano Filho (Uefs), sua trajetória é dividida em três momentos: inicialmente (1973-1980), a empresa focou no mapeamento geológico do estado e a partir da década seguinte (1981-2006) expandiu sua atuação, criando subsidiárias para viabilizar a exploração de minérios e se associando a empresas privadas para a exploração de jazidas descobertas pela companhia.
A partir de 2007, a companhia entra em uma fase marcada pela “consolidação das descobertas”, onde a atração de investimentos privados, especialmente estrangeiros, se tornou central na sua atuação. “na verdade se inicia um processo de transferência dos direitos minerários da CBPM para grupos privados”, o que se intensificou a partir da política de licitações implementada nessa fase.

Manifestação Popular realizada pelo MAM durante seu II Encontro Nacional, em Fortaleza-CE, 2025. Foto: Helenna Castro.
De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), atualmente a CBPM é a maior detentora de processos minerários do estado e sua atuação tem contribuído decisivamente para o processo de especulação mineral e no aprofundamento dos conflitos decorrentes desta atividade. Para as organizações populares, o projeto de lei visa avançar no processo de privatização da riqueza mineral baiana, questão que deve passar por um amplo debate na sociedade.
Projeto votado de maneira acelerada
O PL 25.915/25 foi despachado no dia 20 de agosto e aprovado no dia 30 de setembro. José Caetano afirma que o projeto “foi votado de maneira acelerada, sem garantir um conjunto de discussões junto à sociedade civil, setores interessados, os próprios movimentos sociais e um conjunto de entidades que já debatem a questão da mineração no Brasil e na Bahia.”
Em nota, movimentos sociais e organizações criticaram a falta de transparência sobre um tema “estratégico” do estado baiano. O documento defende que as alterações do PL “ferem questões de soberania, geram impactos socioambientais profundos e destinam as riquezas estratégicas para o mercado mundial”.
O professor Caetano aponta que, na prática, “essa aprovação pode significar a privatização de todo o conhecimento geológico da Bahia”, construído por anos a partir de uma empresa pública (…), com a utilização de recursos públicos.”
O documento de “manifestação de diálogo e transparência” destaca que esse debate deve passar por vários setores da sociedade, “especialmente aqueles diretamente impactados pela mineração”. Segundo o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024” da Comissão Pastoral da Terra, o estado ocupa a terceira posição nos registros de conflitos no país e uma “política econômica orientada ao mercado agro-minero-exportador.”


Manifestação Popular realizada pelo MAM durante seu II Encontro Nacional, em Fortaleza-CE, 2025. Foto: Helenna Castro.
Conflitos no campo
A aprovação do PL acende o alerta entre comunidades tradicionais que convivem há anos com as afetações da mineração. Para quilombolas, indígenas e famílias de fundo e fecho de pasto, a transformação da CBPM em uma empresa voltada também à exploração e produção mineral representa a continuidade de um modelo que concentra riqueza e distribui destruição.
Em Piatã, na Chapada Diamantina, a história da Mina do Mocó evidencia as contradições da relação do Estado com empresas privadas. Em 2019, a empresa inglesa Brazil Iron expandiu suas atividades na região, mesmo possuindo apenas licença para pesquisa.
O avanço irregular da mineradora causou uma série de problemas para as comunidades, como explosões, tráfego intenso de caminhões e nuvens de poeira que tomaram conta das casas, das plantações e das fontes de água. Moradores relatam contaminação de nascentes, abalos nas estruturas das residências e interdição de estradas usadas pela comunidade.
Saiba mais: Comunidades Quilombolas de Piatã sofrem com impactos de mineradora Brazil Iron
Essas problemáticas têm afetado a vida cotidiana e a dignidade das pessoas que vivem da terra e da água. A continuidade da mineradora no território demonstra que quando o Estado muda suas leis para se tornar sócio minoritário de empresas mineradoras, sem ouvir quem vive nos territórios, repete-se a mesma lógica de exclusão que marca a história da exploração mineral no Brasil.

Manifestação Popular realizada pelo MAM durante seu II Encontro Nacional, em Fortaleza-CE (agosto de 2025). Foto: Helenna Castro.
Pablo Montalvão, da direção do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM, lembra que a CBPM já provocava conflitos mesmo antes dessas mudanças. Agora, com o poder de explorar e produzir, os impactos tendem a se ampliar, uma vez que a CBPM é a maior detentora de processos minerários do estado da Bahia:
“É importante afirmar isso, se hoje, enquanto empresa de pesquisa mineral, ela [a CBPM] gera muitos impactos aos povos do campo, impactos ambientais, sociais, econômicos, impactos negativos (…), ela irá causar muito mais com esse novo escopo, com essas alterações.”
Movimentos reivindicam audiência pública
Em nota, movimentos sociais, comunidades, setores de universidades e pesquisadores cobraram diálogo e transparência do poder público com a sociedade baiana. O documento reivindica a realização de uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa da Bahia para que se inicie um espaço de diálogo entre parlamentares, governo, organizações populares e a população afetada pelo problema mineral .
A preocupação das organizações se dá em um contexto de discussões urgentes sobre a crise climática e de especulação mineral de empresas multinacionais sobre o subsolo brasileiro e baiano. Os dados da ANM apontam a Bahia como o segundo maior número de processos de autorização de pesquisa mineral, os conflitos no campo atingem mais de 10 mil famílias.

Manifestação Popular realizada pelo MAM durante seu II Encontro Nacional, em Fortaleza-CE, 2025. Foto: Helenna Castro.
Montalvão afirma que “historicamente, o povo baiano, o povo brasileiro nunca fez parte das decisões políticas, sobretudo no caso da mineração.” Para o dirigente, em um momento onde é central a discussão sobre a soberania e a defesa da democracia, é fundamental que o governo garanta “um debate transparente que acolha as demandas da sociedade e das populações afetadas e potencialmente afetadas.”
A reivindicação sustenta que somente a partir de um debate amplo e plural será possível avaliar com responsabilidade os riscos e as possibilidades que a atuação da CBPM traz para o futuro do estado e para o povo afetado pela mineração.
Autores
Helenna Castro – Jornalista, Comissão Pastoral da Terra (CPT);
Mateus Britto – Militante do MAM e Assessor do Centro de Estudos e Ação Social (Ceas)
Pedro Caires, Comunicador social e Jornalista, Grupo de Pesquisa Comunicação Antirracista e Pensamento Afrodiáspórico, da Intercom
Publicação original em 17 de novembro de 2025 no Brasil de Fato.