“Ponte para quem?” Mutirão discute violação de direitos, risco de remoção e impactos socioambientais na Ilha de Itaparica

Populações denunciam violações do direito de consulta livre, prévia e informada e falta de diálogo do Estado.

Foto: MPP

Nos dias 6 a 8 de junho de 2025, a Ilha de Itaparica foi palco de um mutirão de escutas e articulação envolvendo Tupinambás, pescadores, marisqueiras, comunidades ciganas e povos de terreiro.

A atividade visou unificar vozes para denunciar os impactos do projeto da Ponte Salvador-Itaparica, obra bilionária que vem sendo negociada e anunciada sem consulta às populações que são diretamente afetadas.

O projeto, de parceria público-privada, prevê a construção de uma estrutura rodoviária de aproximadamente 12,4 km ligando Salvador à Ilha de Itaparica, com investimento estimado em R$10,42 bilhões de reais e previsão de início das obras em junho de 2026.

No último dia 11, a Audiência Pública realizada para discutir os impactos do projeto sobre comunidades da Baía de Todos os Santos revelou que os impactos já vem sendo sentidos pelas populações mesmo antes do início das obras.

A discussão de temas como impactos socioambientais, especulação imobiliária, risco de gentrificação e afetações nos modos de vida e na economia das comunidades levam ao questionamento sobre para quê e para quem realmente serve esse projeto.

Segundo Juan Gonçalves (CEAS), o projeto ameaça uma população significativa de comunidades tradicionais, “incluindo famílias de pescadores e marisqueiras, comunidades indígenas, ciganas, além de mais de 100 terreiros de candomblé.” O assessor afirma que são “milhares de pessoas que correm risco de perderem seus locais de moradia, de atividades religiosas e de sobrevivência econômica.”

Em espaço nas comunidades pesqueiras do Alto das Pombas e da Misericórdia, Carlos Monteiro, da Associação de Pescadores e Marisqueiras de Itaparica defendeu que “a ponte só serve para escoar a produção do Baixo Sul e não traz nenhum benefício para a comunidade”

Pescadores e pescadoras também denunciam que o trajeto e as obras associadas à ponte ameaçam diretamente as áreas de pesca e os manguezais – essenciais para a reprodução dos pescados -, inclusive na fase de pesquisa e sondagem finalizada em abril de 2025. 

Foto: MPP

Outros impactos foram relatados sobre a especulação imobiliária e mercantilização dos territórios. Segundo Jaqueline Conceição, marisqueira da comunidade do Mocambo, o anúncio das obras elevou drasticamente os preços dos terrenos: “antes, aqui na comunidade, o terreno era R$1.500,00, agora não compra por menos de 40 mil reais”.

As comunidades ainda denunciam a falta de diálogo no processo de execução do projeto. Para Luciana Silveira (CEAS), “a forma como o Estado age, desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”, onde são reconhecidos os direitos de propriedade e posse das terras tradicionalmente ocupadas por comunidades tradicionais. Para a assessora, “esta é uma forma de violência muito grave, pois ameaça o modo de existir desses povos.”

O mutirão ocorrido na Ilha de Itaparica foi organizado pelo Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), Conselho Pastoral da Pesca (CPP), Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Associação de Advogados/as de Trabalhadores Rurais (AATR), Serviço de Apoio Jurídico da UFBA (SAJU) e pelo Movimento pela Defesa do Território Sagrado da Ilha de Itaparica. Sua proposta é de dar um passo na formação, articulação e mobilização das comunidades afetadas pelo projeto da ponte na luta para que os direitos das comunidades tradicionais e o verdadeiro desenvolvimento para o bem coletivo sejam atendidos.