Em resposta à pesquisa mineral na região, comunidades rurais e urbanas se organizam para criar marco legal que assegure as principais zonas de nascentes do município.

Comunidades de Itarantim, no médio sudoeste da Bahia, celebraram uma vitória histórica em defesa do meio ambiente e da soberania popular no último dia 12/08. Em uma sessão marcada pela participação popular, a Câmara de Vereadores aprovou por unanimidade o projeto de lei que visa proteger as serras e nascentes do município do avanço da mineração e de outras práticas degradantes.
A campanha para a Lei de Iniciativa Popular “Vamos salvar as serras e as águas”, que transforma as serras do município em Patrimônio Natural e Paisagístico, foi lançada no dia 10 de maio, organizada pela Comissão Popular de Meio Ambiente de Itarantim, uma coalizão de comunidades rurais e urbanas em parceria com o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e a Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente BA/MG.
A mobilização conseguiu cerca de 1500 assinaturas em pouco mais de três meses, debatendo o problema mineral no município por meio de rádios, escolas, seminários, manifestações públicas e diálogo com a população. A proposta segue agora para a sanção do prefeito.


“Vamos salvar nossas serras dizendo “não” às mineradoras” e “Itarantim grita socorro” afirmam cartazes da Comissão Popular de Meio Ambiente. Foto: Comunicação CEAS
Água e território x mineração
Itarantim está situada entre o Vale do Rio Pardo e o Rio Jequitinhonha, no sudoeste da Bahia. Localizada no bioma Mata Atlântica, o município possui cadeias de serras que concentram nascentes que alimentam esses rios e garantem a produção e o consumo de milhares de famílias no campo e na cidade.
De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), existem 173 requerimentos de pesquisa mineral em Itarantim, o que coloca mais da metade de seu território no raio da especulação de mineradoras brasileiras e estrangeiras. A busca por minerais estratégicos, como nióbio, lítio e terras raras, no centro da discussão para a chamada “transição energética”, intensifica ainda mais o conflito.
As serras de Itarantim são a peça central da disputa. Elas são, nas palavras do professor Joaci Cunha, do CEAS, as “caixas-d’água” do município. Nelas estão localizadas as nascentes que fornecem água para a população rural e urbana, matam a sede dos animais e recarregam os rios da região.

“O avanço da mineração sobre essas áreas de recarga hídrica seria desastroso para a economia do município, além de uma ameaça à soberania hídrica e alimentar de Itarantim”, destaca o professor. Segundo Joaci, a cidade se destaca por ser um polo de agricultura e pecuária na região, com estimativas de criação de mais de 160 mil cabeças de gado e produção anual de 45 milhões de litros de leite, além da forte produção de cana-de-açúcar e mandioca. Os produtos da agricultura familiar abastecem a população itarantiense e são comercializados com os municípios vizinhos.
Para defender os recursos hídricos que garantem essa produção, comunidades vêm adotando ações de defesa do território e práticas agroecológicas para garantir e diversificar a produção. As ações incluem o cercamento de nascentes, produção de mudas, implantação de Sistemas Agroflorestais e espaços de formação em manejo agroecológico, especialmente sobre o cacau, cultura que vem ganhando cada vez mais adeptos no município a partir da parceria das comunidades com a Cooperativa dos Assentados, Acampados e Quilombolas do Sul da Bahia (COOPCETA).



Oficinas de manejo de cacau e construção de viveiro de mudas são ações para a defesa dos territórios em Itarantim. Fotos: Comunicação CEAS
A deflagração do conflito
Segundo a Comissão Popular de Meio Ambiente de Itarantim, o processo de mobilização se deu após denúncias de que uma empresa estaria realizando trabalho de pesquisa mineral em áreas não consentidas pelos proprietários. Para debater a situação, as comunidades organizaram uma audiência pública na Câmara de Vereadores em agosto de 2024.
Um dia antes da audiência, o conflito veio a público, quando a comunidade de Água Vermelha organizou um piquete e expulsou uma empresa de pesquisa mineral de seu território. Como resultado da ação, outras comunidades seguiram o mesmo caminho e negaram autorização para a prospecção em suas áreas, como na comunidade Mandim de Cima.
A partir dessa audiência e do enfrentamento, as comunidades formaram a Comissão Popular de Meio Ambiente do município, uma organização que reúne representações de vários setores da sociedade itarantiense no campo e na cidade. Esta Comissão iniciou o debate da construção da Lei de Iniciativa Popular “Vamos Salvar as Serras e as Águas”, apresentada para a sociedade no dia 10 de maio.
Em apenas um mês, a Comissão Popular coletou mais de mil assinaturas ao projeto, protocolando-o na Câmara no dia 12 de junho, após uma manifestação que culminou numa Audiência Pública.
Em resumo, o projeto de lei protege as serras do município contra a mineração e outras atividades predatórias. A delimitação de seis zonas de serra como patrimônio natural salvaguarda as nascentes e cursos de água que garantem a segurança hídrica da população e sustentam a agricultura familiar. Com a proibição de desmatamento, queimadas e uso de agrotóxicos nocivos, o projeto assegura a conservação ambiental, a qualidade de vida da população urbana e rural e a base econômica do município.
Organização popular como saída
A Comissão Popular afirma que o exemplo de Itarantim está sendo discutido em toda a região. Nos dias 1 e 2 de agosto, o município recebeu representantes de paróquias e organizações populares do sul e sudoeste do estado no Seminário Ecologia Integral e Mineração, construído com o apoio da Arquidiocese de Vitória da Conquista e a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O seminário discutiu o cenário da mineração nas regiões e propostas de articulação para a luta pela soberania popular nas comunidades assediadas e afetadas pela atividade mineral. Para Fabiano Paixão, da Coordenação do MAM na Bahia, “sem o processo de organização popular e de articulação entre os territórios, o resultado da votação na câmara poderia ser outro.” O militante afirma que o exemplo de Itarantim “inspira as outras comunidades em um estado que passa por um intenso processo de especulação mineral.”
A aprovação da lei foi celebrada com entusiasmo e emoção pelos participantes. Robson Dantas, Secretário de Meio Ambiente, declarou: “a gente aprovando essa lei, a gente tem um instrumento que é um sonho de todos aqueles que juntos formamos a política municipal de meio ambiente e um sonho das comunidades, da população de Itarantim.”
Aldenice Barros, da Comissão Popular de Meio Ambiente, celebrou o processo de mobilização e fez um apelo para o poder público e para a população: “se não cuidarmos do nosso bem maior [a água] o que será de nós? O que será da agricultura familiar? O que será da nossa água para beber e para se alimentar?”
O vereador Léo Ferreira destacou o engajamento popular e a perspectiva de futuro para o município: “a gente vê o envolvimento que essas pessoas, que esses movimentos fizeram, a começar ali na Água Vermelha […] Eventos maravilhosos que vocês fizeram junto com o nosso povo. Eu tenho duas filhas e nós queremos ver futuramente como vai estar nossa cidade, nós temos que limitar esses espaços [de proteção ambiental].”
Já o vereador Jeferson Mototáxi enfatizou o legado da luta: “esse projeto é grandioso, a gente tem que abraçar, projeto esse que é o futuro dos nossos filhos, netos, bisnetos, né? Porque quando a gente briga numa causa, uma região tão produtiva, uma região que a gente tem muitas nascentes aqui na nossa cidade, a gente tem que brigar.”
Por fim, Dudu dos Tutas, presidente da Câmara, ressaltou a unanimidade do corpo legislativo e a agilidade do processo: “foi de forma muito rápida. Eu quero parabenizar os colegas, parabenizar as comissões, porque assim que foi colocada a necessidade de votar logo o projeto, ninguém se manifestou contrário.”

A expectativa é que o projeto seja sancionado ainda este mês e as medidas de proteção comecem a ser discutidas entre a Comissão Popular e os órgãos ambientais do município.
Por Mateus Britto (CEAS/MAM)
18/08/2025